O processo de desertificação no Semiárido brasileiro está mais grave. Uma pesquisa inédita publicada recentemente identificou, pela primeira vez, que já existem áreas áridas no Semiárido brasileiro, provocando redução das chuvas na região. Foi o que mostrou o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis/Ufal) e responsável pelo estudo, durante palestra realizada no Seminário de Políticas Públicas de Combate à Desertificação.
O evento foi realizado pelo Tribunal de Contas da Paraíba (TCE-PB), nos dias 06 e 07 de novembro, em João Pessoa (PB). O objetivo foi apresentar e discutir os resultados de uma Auditoria Operacional Coordenada em Políticas Públicas de Combate à Desertificação no Semiárido brasileiro.
De maneira inédita, o TCE da Paraíba coordenou a Auditoria, integrando cinco tribunais de contas da região Nordeste (além da Paraíba, fizeram parte o Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe). O objetivo foi fiscalizar a implementação da Política Nacional de Combate à Desertificação do Semiárido e Mitigação dos Efeitos da Seca (Lei nº 13.153/2015), bem como das políticas estaduais nessa área.
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Usando dados de satélite, o estudo do pesquisador Humberto Barbosa permitiu identificar que houve aumento da radiação de onda longa e redução das nuvens, em áreas áridas severamente degradadas do Semiárido brasileiro. Por consequência, houve diminuição das chuvas e aumento da aridez em alguns municípios da região.
“Isso demonstra a ausência de chuvas, em paralelo ao aumento das temperaturas. A tendência é de a região se tornar árida, como já está acontecendo. É uma informação alarmante nesse cenário de retomada das políticas para conter o processo de desertificação”, explica o pesquisador.
Os resultados sugerem que algumas áreas da região estão particularmente susceptíveis a processos de desertificação. Esse processo é impulsionado pelas secas recentes e pelas perturbações acumuladas ao longo do tempo, decorrentes de impactos humanos e das mudanças no uso da terra.
O diferencial do estudo é ter utilizado uma metodologia que permite comparar a relação entre a atividade da vegetação e da atmosfera. Com os dados do satélite Meteosat, de alta frequência temporal, foi possível analisar a troca de energia entre a superfície e a atmosfera, percebendo que, em algumas locais muito secos e degradados, a vegetação não responde mais aos fatores climáticos.
Ou seja, mesmo quando ocorrem volumes significativos de chuva, as plantas não se recuperam, em razão do elevado nível de degradação das terras. Por consequência, também houve o declínio dos fatores da atmosfera, que não mais respondem a essas áreas muito secas e severamente degradadas, tendo havido redução das nuvens de chuva.
“Identificamos um processo no qual a ação humana de degradação, associada às adversidades climáticas, perturbam a vegetação em um nível de gravidade que ela não mais apresenta condições de se recuperar, mesmo que ocorram chuvas suficientes”, ressalta o meteorologista.
No período de 2004-2022, a pesquisa analisou, na superfície, a resposta da vegetação às secas, levando em conta a umidade do solo e a temperatura. Em seguida, essas áreas foram comparadas com o balanço de energia da atmosfera, olhando o indicador de radiação de onda curta (a radiação solar que incide sobre a superfície terrestre) e o indicador da radiação de onda longa (emitida da superfície para o espaço).
Na superfície terrestre, as análises foram feitas a partir de índices de vegetação, precipitação, umidade do solo e temperatura, baseados em dados de satélites. Já no topo da atmosfera, foi investigado o sinal de satélite que estima a energia em regiões específicas, como o balanço da radiação de ondas curtas.
Os mapas abaixo, processados com dezoito anos de dados do satélite Meteosat-11, mostram o resultado do estudo do Laboratório Lapis. No lado direito, destaca-se a tendência de aumento das temperaturas. No círculo em azul, na imagem "a", destacam-se os locais onde foi identificada a relação direta da redução das nuvens com as áreas severamente degradadas ou áridas, já existentes no Semiárido brasileiro.
Já do lado esquerdo, a imagem mostra a tendência de redução das nuvens, principalmente na área central do Nordeste, exatamente onde detectou-se já existirem áreas que se tornaram áridas, similares a um deserto. Mas é diferente dos desertos naturais que existem em alguns países.
No Semiárido brasileiro, são processos de desertificação provocados pela ação humana e variações climáticas, a exemplo das secas extremas. Como já dizia, nos anos 1970, João Vasconcelos Sobrinho, estudioso pioneiro na área, há um deserto em processo de formação, já iniciado e que ameaça se expandir a toda a região circunvizinha.
De acordo com a recente pesquisa do Laboratório Lapis, percebeu-se que na região central do Semiárido, exatamente nas áreas já classificadas como áridas, há uma tendência de redução das nuvens. "Cientificamente ou do ponto de vista meteorológico, significa a redução da capacidade de chuvas na região. Se eu falar isso para qualquer sertanejo, nenhuma novidade, eles já percebem. Em compensação, a gente percebe o aumento das temperaturas", detalha Humberto.
Esses mapas mostram uma tendência que estatisticamente tem relevância, de significativa redução nas nuvens de chuva. Isso é preocupante porque agora já temos no Brasil as três categorias de terras secas da UNCCD [Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação]: áreas áridas, subúmidas secas e as áreas semiáridas se expandindo", completa o meteorologista.
De fato, a região semiárida tem crescido. Conforme demonstrado no Livro "Um século de secas", na delimitação do Semiárido feita em 1999 (Portaria Sudene no 1.182/99), a região contava com um total de 1031 municípios. Na mais recente redefinição do mapa, feita em 2021, passou para 1427 localidades.
Em termos de área territorial, houve um aumento de 48% da área semiárida no Brasil, no período 1999-2021, expressa pelo acréscimo de 430.370 km2. Esse crescimento é um indicativo da tendência de expansão da região semiárida brasileira.
No período de 2017 a 2021, áreas do Maranhão passaram a integrar a região semiárida, com a inserção de 16 municípios, bem como do Espírito Santo, com a inclusão de 6 localidades. Esses municípios atendem a pelo menos um dos critérios considerados para fazer parte da região: chuva média anual abaixo de 800 mm, índice de aridez igual ou inferior a 0,50 e risco de seca maior que 60%.
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Em 2010, a Unesco publicou um Atlas contendo o mapeamento das zonas áridas da América Latina e do Caribe. Na ocasião, identificou-se a existência de uma área árida no Nordeste brasileiro, com cerca de 23 mil km2, como destacado no mapa acima. Os dados de satélite utilizados no Atlas são de 2000, quando já era possível detectar a existência de áreas áridas no Nordeste brasileiro.
O mapeamento da Unesco usou apenas dados meteorológicos, mais precisamente, índice de aridez e de evapotranspiração, sem considerar os dados de degradação da superfície. Nesse sentido, o mapeamento se refere à análise da aridez climática. Inclusive, o Atlas gerou um artigo posterior, publicado em 2015, pela própria equipe do Laboratório Lapis.
Agora, a descoberta alcançada pelo novo estudo indica que, diante das atuais condições de degradação das terras e de redução das nuvens na atmosfera, essas áreas áridas tendem a se expandir.
O Brasil possui 25% de terras secas (que incluem as categorias de áreas áridas, semiáridas e submúmidas secas), conforme o mapa acima. Essas regiões apresentam diferentes níveis de degradação, embora todas elas estejam propensas à desertificação.
Observe no mapa abaixo o destaque das áreas áridas existentes em territórios do norte da Bahia e sul Pernambuco, conforme o Atlas da Unesco.
Há uma diferença conceitual importante para o estudo das terras secas: 1) quando são avaliadas do ponto de vista meteorológico; e 2) quando são analisadas sob o enfoque da cobertura vegetal. Essa diferença é crucial hoje para o mapeamento da degradação e da desertificação.
O estudo publicado recentemente pelo Laboratório Lapis propiciou avanços no estudo das terras secas no Brasil. Desta vez, identificou-se que as áreas áridas que já existem no Nordeste brasileiro, conforme Atlas da Unesco, já influenciam na redução das nuvens de chuva na região. Essa conclusão foi possivel por estudar as terras secas não apenas do ponto de vista meteorológico, mas também do ponto de vista da sua interação com o ambiente (das informações de degradação da superfície).
A nova metodologia permitiu identificar como a degradação severa das terras já faz parte de um processo que retroalimenta a tendência de aumento da aridez atmosférica, bem como de expansão das áreas áridas e semiáridas no Nordeste brasileiro.
“Utilizamos dados robustos, obtidos por satélite, para examinar a interação entre a condição ecológica dessas áreas degradadas e a resposta da atmosfera (redução de nuvens no Nordeste). Consequentemente, identificamos que houve diminuição das chuvas, desencadeando uma situação de aridez atmosférica”, completa Humberto.
A partir dessa análise abrangente, foi possível reconfigurar o mapa da desertificação na região, incluindo agora a categoria de áreas "áridas", a partir da análise da aridez atmosférica, da condição da cobertura vegetal e dos solos severamente degradados.
No último mapeamento da desertificação no Semiárido, realizado pelo Laboratório Lapis em 2016, a categoria "áreas áridas" ainda não havia sido considerada na classificação (acesse aqui).
Confira abaixo o novo mapeamento da desertificação no Semiárido brasileiro, gerado recentemente pelo Laboratório Lapis.
A nova metodologia utilizada está alinhada às análises mais avançadas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e da UNCCD. Essas agências intergovernamentais consideram a definição de terras secas principalmente a partir da condição da cobertura vegetal. Em 1975, o meteoroogista Jule Gregory Charney já chamava atenção para isso, em estudos sobre seca e desertificação no Sahel, na África.
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As secas têm aumentado a situação de deterioração das terras no Semiárido brasileiro, sendo todo esse processo agravado pela mudança climática. E não apenas as grandes secas convencionais, como ocorreu no período 2011-2017, mas também as chamadas secas repentinas.
No estudo do Laboratório Lapis, analisou-se pela primeira vez as características dessa categoria especial de seca (flash drought), no Semiárido brasileiro. Ela costuma ocorrer durante o verão. Com início rápido e forte intensidade, esses extremos de seca e altas temperaturas duram apenas alguns dias ou semanas. O efeito combinado da redução na cobertura vegetal e do aumento das temperaturas, durante as secas, piora ainda mais a condição de aridez na região.
De acordo com a pesquisa, de 2004 a 2022, essas secas extremas exerceram impactos dramáticos nos ecossistemas áridos e semiáridos do Nordeste, com redução na quantidade de água no solo e aumento da degradação da cobertura vegetal.
A diminuição das nuvens de chuva coincidiu exatamente com esses locais com cobertura vegetal severamente degradada, culminando em uma situação de aridez atmosférica. A análise da cobertura vegetal foi feita com base no Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI), usando dados diários de satélite.
Nessas áreas agora identificadas como áridas, com elevado nível de degradação das suas terras (desertificação), observou-se, nos dados do satélite Meteosat-11, tendência de redução na radiação de onda curta e de aumento na radiação de onda longa. Esses resultados sugerem que a degradação ambiental ora em curso, nas áreas áridas e semiáridas do Nordeste do Brasil, já diminui a formação de nuvens e as chuvas na região.
A umidade atmosférica é capaz de absorver a radiação de onda longa, chamada tecnicamente de infravermelha. Cada intensidade de radiação infravermelha é associada a uma temperatura. Assim, dados derivados de satélites permitem identificar as diferentes camadas de nuvens, a chuva e o solo.
Quando o ar está muito seco, poucas nuvens se formam. Dessa forma, mais radiação infravermelha consegue chegar aos sensores dos satélites que estão no espaço, ao redor da Terra. É como se o ar seco deixasse a atmosfera mais transparente e, assim, os sensores conseguem "ver" a superfície com mais nitidez. A redução nas nuvens diminui ainda mais as chuvas no Semiárido, acarretando uma situação dramática de aridez atmosférica.
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O Seminário realizado pelos tribunais de contas do Nordeste, em João Pessoa, foi justamente para cobrar ações articuladas dos governos, visando conter o processo de degradação na região.
Na abertura do evento, o coordenador da Auditoria integrada, conselheiro Fernando Catão (TCE-PB), ressaltou que o papel das cortes de contas não se restringe apenas à fiscalização das receitas e despesas públicas. Disse que o TCE-PB avança nessas questões desde 2017 e lastimou que omissões, nos três níveis de governo, tenham contribuído para o agravamento da situação.
Durante o evento, emissários dos cinco TCE’s do Nordeste apresentaram os resultados da Auditoria, estruturados em cinco eixos: 1) Implementação da Política/Programa de Ação de Combate à Desertificação; 2) Monitoramento e Avaliação da política estadual de combate à desertificação; 3) Viabilização de ações referentes à desertificação no território municipal; 4) Unidades de Conservação no bioma Caatinga; 5) Ações visando o combate à desertificação, por meio da agricultura familiar e de tecnologias sociais hídricas.
Como resultado da investigação feita pelos TCE’s, detectou-se certa paralisia na execução das políticas de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca, nos últimos anos. Em nível nacional, essa paralização se deu com a desativação da Comissão Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (CNCD), por meio do Decreto Federal no 9.759/2019.
O papel da CNCD era articular ações entre as esferas nacional, regional, estadual e municipal. Segundo o Relatório da Auditoria, a articulação é “um critério essencial quando se fala da boa governança de políticas públicas descentralizadas, permitindo estabelecer relações interfederativas com equilíbrio entre os interesses nacionais e subnacionais”.
No âmbito dos estados participantes da Auditoria, com exceção do Ceará, detectou-se não ter sido implementada as políticas estaduais de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca, como também não terem sido executados seus correspondentes Programas de Ação Estadual (PAE’s).
Apesar do apagão nas iniciativas federais nessa área, nos últimos quatro anos, o Ceará foi o único estado integrante da Auditoria que deu continuidade à implementação do seu PAE, elaborado em 2010. O estado possui um histórico de políticas focadas em ambiente e clima, para reduzir os impactos da seca e combater a desertificação, a partir da articulação de órgãos governamentais, universidades e sociedade civil.
Mesmo assim, como acontece com os demais, o Ceará também enfrenta dificuldades pela ausência de um fundo específico para financiar ações de combate à desertificação. Em Sergipe, foi iniciada a implementação da política, mas o processo ainda é incipiente.
Confira na imagem abaixo os resultados para cada estado do Nordeste:
A pesquisadora Margareth Benício, da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), participou do 2º painel de debates sobre "Áreas em Processo de Desertificação", mediado pelo auditor Júlio Uchôa, do TCE-PB. Ela enfatizou as áreas críticas da Caatinga que apresentam evidências de um processo de desertificação avançado, especificamente no Ceará.
A pesquisadora pontuou experiências de mapeamento realizado no Ceará, a partir de imagens de satélite, constatando-se que um percentual de 10% do Semiárido cearense já se encontra em avançado processo de degradação. Nesses locais, a Funceme desenvolve ações para recuperar áreas degradadas, por meio de monitoramento e implementação dos instrumentos do PAE-CE.
“Mas essa é uma situação pontual e se fazem necessárias revisões pactuadas, com a participação do Governo Federal, do processo de desertificação na região”, completa Margareth.
Existe uma diferença entre "degradação da terra" e "desertificação". Em termos simples, a desertificação ocorre quando as terras já estão degradadas de forma grave ou muito grave. O IPCC (2019) conceitua a "desertificação" como a degradação da terra em áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultantes de muitos fatores, incluindo variações climáticas e atividades humanas.
Já a degradação da terra é conceituada pelo IPCC como uma tendência negativa na condição da terra, causada por processos humanos induzidos, diretos ou indiretos, incluindo mudança do clima de natureza antrópica. Essa tendência é expressa como redução de longo prazo e como perda de pelo menos um dos seguintes itens: produtividade biológica, integridade ecológica ou valor para os seres humanos.
Nos estados investigados pela Auditoria, novamente com exceção do Ceará, foi detectada também a ausência de monitoramento e fiscalização ambiental sistemáticos das áreas susceptíveis à desertificação. Quando falamos em monitoramento, estamos nos referindo ao acompanhamento contínuo das áreas susceptíveis à desertificação.
Já o mapeamento se refere ao retrato da situação ambiental, em determinado momento. Nos estados fiscalizados, os únicos diagnósticos e zoneamento das áreas susceptíveis/afetadas pela desertificação foram feitos no Ceará e em Sergipe. De maneira geral, todos os estados carecem da atualização dos dados.
Em nível nacional, o último mapeamento foi feito em 2004, com a publicação do Atlas das Áreas Susceptíveis à Desertificação do Brasil. De acordo com Alexandre Pires, diretor do Departamento de Combate à desertificação (DCD/MMA), com a recente retomada da Política Nacional de Combate à Desertificação, está sendo feita a atualização do mapa das áreas suscetíveis à desertificação e do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação (PAN-Brasil). A CNCD também está em processo de recriação.
A ausência de um fundo com recursos específicos para financiamento das políticas estaduais de combate à desertificação foi outro gargalo encontrado pela Auditoria. Esse obstáculo é mais dramático no âmbito dos municípios, que geralmente não dispõem sequer de estrutura mínima de gestão ambiental.
Sobre isso, na abertura do evento, o governador da Paraíba, João Azevedo, destacou os esforços do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, do qual ele é presidente, para a capitalização de um Fundo em defesa do Semiárido. Confira o vídeo abaixo:
João Azevedo ainda enumerou ações do seu governo para enfrentamento da seca, entre elas a ampliação de adutoras necessárias à segurança hídrica das cidades e do campo, “onde o problema é mais grave e maior”. O Consórcio é um organismo que articula e representa os governadores nordestinos, sendo presidido atualmente por João Azevedo.
A Auditoria constatou a inexistência de programas, projetos e/ou legislações na temática desertificação, na quase totalidade dos municípios do Semiárido. Além disso, evidenciou a incipiência na articulação entre estados, municípios e organizações sociais, para ações de combate à desertificação.
Como providência imediata, várias recomendações foram feitas pelos tribunais de contas aos governos e seus diferentes órgãos, nas diferentes instâncias (União, estados e municípios). Concluída a fiscalização, o objetivo agora é estimular a revisão, implementação e avaliação da política nacional de combate à desertificação e, no âmbito dos estados, das suas respectivos políticas/programas de ação.
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Outro tema importante debatido no evento foi o uso sustentável dos recursos naturais do Semiárido brasileiro. Em um dos painéis, Francisco Campello, ex-diretor do DCD/MMA e atual coordenador técnico da Fundação Araripe, destacou sua experiência no processo de construção da política nacional de combate à desertificação no Brasil.
“A participação da sociedade civil, que é uma exigência da Convenção [UNCCD] foi um diferencial no Brasil. A gente coordenou os trabalhos para a criação da Política Nacional de Combate à Desertificação, para aprovação no Congresso, e o nosso maior instrumento de luta foi a Comissão Nacional [CNCD]. A Articulação Semiárido Brasileiro tinha um representante de cada estado na Comissão e foi extremamente importante essa participação social, no trabalho pela aprovação da Política”, destacou Campello.
Ele foi enfático em relação à necessidade do uso sustentável da Caatinga, adotando o manejo florestal sustentável como ferramenta de conservação. “É uma forma de evitar a remoção da caatinga e permitir que a população use seus benefícios, evitando a degradação. O uso sustentável permite a conservação dos solos, das águas e da biodiversidade. O grande desafio da caatinga é não precisar recuperar solos degradados, pois é uma prática muito custosa e cara”, ressaltou Campello.
“A caatinga é extremamente interessante em termos de resposta, quando ela é utilizada com critérios de sustentabilidade. A categoria de unidade de conservação de uso sustentável é uma forma de não isolar a população para conservar, mas de permitir a convivência com o Semiárido brasileiro”, completou Campello.
Como exemplo, ele ainda citou as comunidades de fundo de pasto, áreas coletivas usadas de forma sustentável na Bahia. A Fundação Araripe desenvolve um projeto com essa comunidade, em parceria com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), visando fortalecer o processo de conservação e gerar renda para as famílias.
No mesmo painel, Rafael Camilo, gerente no Nordeste do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), apresentou os vários tipos de unidades de conservação do bioma Caatinga. Ele ressaltou a necessidade de planejamento e implantação das unidades de conservação para manutenção da integridade dos ecossistemas da Caatinga.
O Seminário encerrou o primeiro dia de atividades destacando a importância do reconhecimento do bioma Caatinga como patrimônio nacional. O painel foi mediado pela senadora Maria Teresa de Melo (PT-PE), integrante da Comissão de Meio Ambiente, do Senado Federal.
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A ASA Brasil é uma rede formada por mais de mil organizações civis que lutam, de forma articulada, por políticas de adaptação ao clima do Semiárido brasileiro. É o caso das políticas de acesso à água, por meio da implantação de tecnologias sociais hídricas, a exemplo das cisternas de placas.
Durante o evento, a coordenadora da ASA, Glória Batista, salientou que não é possível combater a desertificação sem acesso água no Semiárido. “Sem água, não há combate à desertificação. A água é essencial para as populações”, assegurou a coordenadora.
Glória informou uma novidade esperada pela população da região, que é a retomada das políticas de implantação das tecnologias sociais. Segundo ela, o Relatório da Auditoria destacou que os recursos para captação e estocagem de água no Semiárido foram paralisados, principalmente no período de 2019 até 2022, confirmando que de fato foram.
“Mas agora, eu queria anunciar que a ASA vai reunir na próxima semana 300 organizações do Semiárido brasileiro, para um planejamento da volta do Programa Um Milhão de Cisternas. O Programa voltou! E de imediato nós vamos trabalhar com cerca de 60 mil famílias na região”, celebrou a coordenadora.
O Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) é uma política pública federal implantada desde 2002, como resultado da luta da sociedade civil organizada. O objetivo é construir um milhão de cisternas no Semiárido, para universalizar o acesso à água, contribuindo para a convivência com a região.
Como destacado no Livro “Um século de secas”, no ano de 2008, a ASA figurava como uma das organizações que mais recebiam recursos governamentais, para implementar tecnologia sociais de baixo custo na região. O Livro foi utilizado pela Auditoria Operacional como referencial para embasamento metodológico, na fiscalização das políticas de combate à desertificação na região.
O evento foi encerrado no dia 07 de novembro, com debates sobre sobre povos originários do Nordeste (região que concentra a segunda maior população de indígenas no Brasil) e desenvolvimento rural, além do debate sobre os impactos das energias renováveis nas espécies vegetais e animais da região.
A professora Mônica Tejo, diretora do Instituto Nacional do Semiárido (Insa/MCTI) enfatizou a questão do manejo inadequado e da depredação do solo, preocupação também manifestada por Ricélia Marinho, representante do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido.
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Durante o evento, a equipe da Auditoria Operacional dos cinco TCE’s foi saudada pelos presentes. A iniciativa do TCE-PB, envolvendo os demais tribunais da região, foi um marco para a retomada das políticas de combate à desertificação no Brasil.
Na ocasião, especialistas, representantes da sociedade civil, gestores públicos e emissários dos governos reconheceram a gravidade das conclusões do trabalho, ao mesmo tempo em que se animaram com a retomada das políticas.
Espera-se que os resultados da fiscalização, bem como as recomendações enviadas pelos tribunais de contas aos governos do Nordeste, contribuam para a melhoria das políticas de combate à desertificação. A evidência de que existem áreas áridas no Semiárido brasileiro, com a consequente diminuição das nuvens de chuva nesses locais, é um alerta. Esse fato torna urgente a necessidade de fortalecer políticas coordenadas para conter a expansão do processo de degradação das terras na região.
- Livro "Um século de secas": utilizado para embasamento metodológico da Auditoria Operacional Coordenada para Fiscalizar Políticas Públicas de Combate à Desertificação do Semiárido brasileiro.
- Acesse o Sumário Executivo do Relatório da Auditoria Operacional Coordenada neste link.
- Assista no vídeo abaixo um trecho da palestra completa em que o professor Humberto Barbosa explica a expansão das áreas áridas e semiáridas no Brasil, durante evento no TCE-PB:
Queremos sua opinião: 1) Que estratégias podem ser adotadas para conter o processo de expansão das áreas áridas/semiáridas no Nordeste brasileiro? 2) Que políticas podem contribuir para combater o processo de desertificação no Brasil? Deixe seu comentário.
*Reportagem finalista do Prêmio CONFAP de C,T&I - Edição 2023. Colaboração: Catarina Buriti (João Pessoa-PB) e o cientista Humberto Barbosa (Laboratório Lapis).
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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