Mudanças climáticas podem trazer de volta megassecas históricas



Ouça este conteúdo
Parar este conteúdo

O maior pico de temperatura global, de 55 oC, registrado na Califórnia, no dia 16 de agosto, pode não ser um fato isolado. Em abril deste ano, um estudo publicado na revista Science, concluiu que as mudanças climáticas, causadas sobretudo pela ação humana, farão ressurgir megassecas dos séculos passados, no Oeste dos Estados Unidos. 

A maior temperatura global, registrada nos Estados Unidos, ainda será validada pelos especialistas. O último registro de um calor tão extremo havia sido verificado em 1913. Caso confirmada, poderá sinalizar para a tendência de aumento de temperatura no longo prazo. As megassecas são uma das consequências, além do risco de aumento da mortalidade por excesso de calor. 

As “megadroughts” se referem a secas intensas e duradouras, um fenômeno antigo, que costumava se prolongar por uma ou mais décadas. Os cientistas projetam que o aquecimento global, de origem antropogênica, terá grande contribuição para trazer de volta essas situações climáticas incomuns. Estas terão graves consequências para a disponibilidade de água, sobretudo em áreas que hoje se tornaram superpovoadas. 

Para identificar secas passadas, os pesquisadores estudaram milhares de registros de anéis de árvores, analisando as secas de centenas de anos atrás. Os dados históricos foram combinados com várias simulações de modelos de computador, tornando o estudo conclusivo.  

Bioclimatologistas que participaram da pesquisa estimam que estamos seguindo a mesma trajetória das piores secas que ocorriam em até 2000 anos atrás. Essas megassecas duravam quase duas décadas, algo que a sociedade moderna pode ainda não ter visto. Dentre os impactos projetados com o retorno desses fenômenos de longa duração, estão: aumento das queimadas florestais, temperaturas mais altas e redução drástica no nível de água dos reservatórios.

No Brasil, um estudo similar ainda não foi realizado. Mas de acordo com projeções do Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), até a metade do atual século, são esperadas secas com duração, severidade e abrangência sem precedentes nos séculos recentes. Os cientistas do IPCC asseguram que o Semiárido brasileiro é uma das regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas.

>> Leia também: Radiografia da seca no Nordeste brasileiro, em abril de 2020

No Livro “Um século de secas”, publicado em Lisboa (Portugal), os autores discutem como as mudanças climáticas já afetam as secas no Semiárido brasileiro. Esses eventos são cada vez mais duradouros, intensos e frequentes, abrangendo extensões cada vez maiores. No período de 2010 a 2017, a região enfrentou a maior seca do século, analisada em detalhes pelos autores da publicação, em comparação com secas que ocorreram durante o período de mais de um século (1901-2017).

A imagem abaixo, extraída do Livro, permite caracterizar as secas ocorridas no século passado, com base em séries históricas temporais de precipitação, analisadas pelo Índice de Precipitação Padronizado (SPI). Observe que ocorreram secas extremamente severas, como a de 1903, 1932, 1980, 1983, 1992-1993, 1998 e 2012.

Livro

Linha do tempo das secas, no período de 1901-2016. Fonte: Livro "Um século de secas".

No Semiárido brasileiro, foram raros os fenômenos de megassecas históricas. O último evento ocorreu no período 2010-2017, conforme explicam, em detalhes, os autores do Livro “Um século de secas”. Desde que se tem registro das séries temporais de chuvas, ocorreram cinco megassecas na região. Foram elas: 1876-1880; 1901-1905; 1929-1933; 1979-1983; e 2010-2017.

Todavia, comparando as secas registradas na região do Semiárido brasileiro, no século passado, nenhum evento se aproxima do fenômeno excepcional das megassecas, que os cientistas norte-americano projetaram para o Oeste dos Estados Unidos, nos próximos anos. As megassecas registradas, no Brasil, duraram, em média, cinco anos. 

Em relação à década de 2010, os autores do Livro “Um século de secas” consideraram o fenômeno excepcional, em função de a seca ter se prolongado por vários anos (2010-2017), da sua intensidade e extensão em toda a região do Semiárido brasileiro. Um relato histórico completo sobre as políticas públicas e sociais, adotadas durante cada um desses eventos climáticos, pode ser encontrado na obra de agradável leitura. Para conhecê-la, clique aqui.

Dentre os impactos diretos das mudanças climáticas, estão: aumento da extensão de terras degradadas, perda irreversível de espécies vegetais, desertificação, queda na produção de alimentos e migração da população. Essas consequências já são observadas no Semiárido brasileiro.

>> Leia também: 5 perigos da desertificação no Semiárido brasileiro

Imagem de satélite destaca áreas degradadas no Semiárido brasileiro

A imagem de satélite acima, da cobertura vegetal do Semiárido brasileiro, permite observar uma informação de grande relevância científica: identificar a abrangência das áreas degradadas.

Os tons em vermelho intenso, na imagem, indicam áreas onde a vegetação não consegue mais responder a um significativo volume de chuvas e ao aumento da umidade dos solos. Todos os estados do Semiárido brasileiro são afetados pela deterioração das terras ou pelo fenômeno da desertificação, que significa uma degradação grave ou muito grave dos solos.

O Instituto Letras Ambientais obteve a imagem junto ao Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis). Semanalmente, o Laboratório processa mapas da cobertura vegetal, permitindo monitorar a seca em todo o Semiárido brasileiro. Todos os meses, a organização social e o Lapis publicam, em parceria, a radiografia atualizada da seca para todos os estados do Nordeste. Para acessar a radiografia deste mês, clique aqui.

Segundo o meteorologista Humberto Barbosa, coordenador do Lapis, como choveu recentemente em praticamente todo o Semiárido brasileiro e houve a recuperação da cobertura vegetal, as áreas em vermelho do mapa possibilitaram identificar, indiretamente, as áreas degradadas do Semiárido brasileiro, onde as plantas não conseguem mais reverdecer.

O especialista é um dos autores do Livro “Um século de secas”, no qual analisou os diferentes núcleos de desertificação do Semiárido brasileiro, áreas onde a produção agrícola tornou-se impraticável e a população precisou migrar das suas terras.

Núcleo de desertificação em Gilbués (PI).

Núcleo de desertificação, no município de Gilbués (PI), Semiárido brasileiro.

De acordo com a publicação, estima-se que a desertificação atinge pelo menos 13% do Semiárido brasileiro e ameaça a conservação da Caatinga. O processo é causado pela ação humana e pelas mudanças climáticas. Barbosa também participou, como autor-líder, do capítulo do Relatório especial do IPCC (2019), dedicado à degradação das terras.

Dia da Terra – Hoje, 22 de abril, comemora-se o Dia Mundial da Terra. A data é celebrada há 50 anos, com o objetivo de sensibilizar a sociedade sobre os problemas da contaminação, conservação da biodiversidade e outras preocupações ambientais para proteger a Terra.

Nesta data, chamamos atenção para a necessidade de conservação da vegetação e dos solos da Caatinga, fundamental para combater a degradação das terras e a desertificação.

Leia aqui o artigo na Science.

Seja um colaborador. Fazendo uma doação de qualquer valor, você incentiva este projeto de difusão de conhecimentos científicos relevantes, em benefício da sociedade brasileira.

*Post atualizado em: 20.08.2020, às 17h23.

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

Gostou do texto? Compartilhe com seus amigos:



Artigos Relacionados

Sustentabilidade

Os 5 perigos da desertificação no Semiárido brasileiro

Agricultura

Brasil: como ser campeão contra a desertificação?

Clima e energia

Seca e desertificação: lições das políticas no Brasil

Inscreva-se

Deixe aqui seu e-mail e receba nossas atualizações.


×

Este site utiliza cookies. Ao fechar este aviso, você concorda. Saiba mais.