As 5 lições do século para o Dia mundial da seca e da desertificação



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Neste dia 17 de junho, é celebrado o Dia Mundial da Seca e da Desertificação. De acordo com as Nações Unidas, o número e a duração das secas aumentaram quase 30%, desde o início do século. A Organização estima que esse desastre natural silencioso afeta, anualmente, cerca de 55 milhões de pessoas em todo o mundo.

A seca é a ameaça mais séria à produção de alimentos, em quase todas as partes do mundo. Esse desastre natural de início lento também pode ter graves impactos na saúde, economia, energia e meio ambiente. O aumento das temperaturas, causado pela mudança climática, torna regiões como o Semiárido brasileito ainda mais secas. Com a elevação das temperaturas, a água evapora mais rápido, aumentando o risco de seca ou tornando esses eventos climáticos mais longos. 

A seca ameaça os meios de subsistência das pessoas, aumenta o risco de doenças e morte, além de impulsionar a migração. A escassez de água afeta 40% da população mundial e até 700 milhões de pessoas correm o risco de serem deslocadas como resultado da seca, até 2030.

O tema do Dia da Seca e da Desertificação deste ano é: "Terra dela, direito dela", em referência aos avanços na equidade de gênero, no que diz respeito ao acesso à terra para preservar e produzir. A seca acelera o processo de degradação das terras, que provoca o dramático processo de desertificação.

O Semiárido brasileiro é a região brasileira mais afetada por mudanças climáticas. Projeções de modelos climáticos indicam redução de até 40% nas chuvas, até o fim do século.

Neste post, extraímos os 5 pontos que você precisa saber neste dia que promove a sensibilização sobre o combate aos efeitos da seca e da desertificação. Todos os tópicos foram extraídos do Livro “Um século de secas”, a obra completa sobre as lições de mais de um século de secas no Semiárido brasileiro.

>> Leia também: Vidas Secas, 80 anos: 7 lições que continuam atuais

1) O papel central da mulher na preservação das terras e combate à desertificação

Mulheres do Semiárido usando bomba d'água popular. Fonte: Fonte: IRPAA.

O Dia mundial da seca e da desertificação deste ano chama atenção para o papel das mulheres agricultoras rurais, que têm menos acesso aos recursos como terra, água e crédito. Essa realidade dificulta a adaptação à seca e a proteção dos meios de subsistência. Elas têm uma participação vital na saúde da terra, mas muitas vezes não dispõem da propriedade desse recurso. A iniciativa promove exemplos bem-sucedidos das contribuições para a gestão sustentável da terra.

No Semiárido brasileiro, a mulher exerce um importante papel na gestão dos pequenos sistemas agroflorestais. Daí a importância crucial do acesso à terra para produzir, por ser decisivo para garantir o bem-estar e autonomia dos agricultores familiares.

Além de administrar internamente a água que abastece a casa, ao longo da história do Semiárido brasileiro, a mulher exerceu um duro papel no transporte da água de longas distâncias, trazendo de açudes, rios, barreiros, cacimbas ou cisternas até a casa. O transporte era feito, geralmente a pé, com a lata ou o balde na cabeça. Muitas vezes, o local de abastecimento ficava distante do domicílio, e a mulher, sob o Sol causticante e carregando o peso do vasilhame com a água, realizava várias viagens, durante o dia, para suprir a necessidade da família.

Com a implementação de políticas públicas de implantação de tecnologias sociais hídricas, houve melhorias nessa realidade. Gomes e Heller (2016), que trataram do impacto que os programas governamentais de acesso à água tiveram para as mulheres rurais, principais responsáveis por suportar o encargo de buscar água em fontes distantes.

Na pesquisa realizada no Semiárido mineiro, os autores observaram que antes do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), as mulheres despendiam um total de tempo que correspondia a mais de 36 dias no transporte de água, havendo redução para 12 dias do número total de famílias que ainda gastam tempo nessa atividade. O P1MC consiste na construção de cisternas e reservatórios para armazenar água da chuva, para beber e produzir. O Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) teve como foco a construção desses reservatórios para armazenar água para a produção.

Embora ainda houvesse evidências de limitações quanto aos impactos dos programas de implantação de tecnologias sociais hídricas, sobretudo pela quantidade e qualidade da água armazenada, foram observados avanços. O acesso à água das cisternas trouxe benefícios concretos, principalmente para as mulheres. Elas tiveram seu trabalho reduzido e o tempo passou a ser utilizado em outras atividades, inclusive para a produção e geração de renda.

Organizações sociais da região, como a Articulação Semiárido Brasileiro (Asa Brasil), acompanham como as tecnologias sociais hídricas, para armazenamento de água, implantadas em comunidades do Semiárido brasileiro, melhoraram a vida das agricultoras. Elas passaram a utilizar a água do Programa P1+2 em seus quintais produtivos, para cultivar hortaliças e frutíferas, melhorando a segurança alimentar e a renda das famílias.

O objetivo das tecnologias sociais é democratizar o acesso à água, potencializar a criação de animais e os quintais produtivos (cultivo de hortas, fruteiras e plantas medicinais), visando aumentar a renda das famílias agricultoras, estimular práticas agroecológicas, sobretudo por mulheres e jovens, bem como garantir a soberania alimentar das famílias

Em outra pesquisa sobre a participação feminina no P1MC, em Afogados da Ingazeira (PE), Mossoró (RN) e Fortaleza (CE), Moraes e Rocha (2013) demonstraram que as mulheres não tiveram apenas benefícios materiais significativos derivados do P1MC, como o acesso à água.

Essas mulheres também adquiriram papéis e responsabilidades como construtoras de cisternas e como membros de comissões locais, para a tomada de decisão na gestão da água em suas comunidades, atribuições tradicionalmente reservadas aos homens. Organizações locais e movimentos sociais desempenharam papel-chave nesse processo de transformação, que mobilizou mulheres rurais a criar espaços para inclusão na governança da água.

Essas soluções tecnológicas de baixo custo se inserem na busca de um novo modelo de sustentabilidade ambiental, social e econômico para o Semiárido brasileiro. Para isso, é necessário que essas iniciativas se transformem em políticas hídricas mais abrangentes.

>> Leia também: Secas extremas repetidas podem reduzir sequestro de carbono na Amazônia

2) Os tipos de secas e seus principais índices de monitoramento por satélite

Mapa da umidade do solo, um dos indicadores da seca_QGIS

A seca é uma deficiência de precipitação pluviométrica, durante um período prolongado, que resulta em escassez de água para algumas atividades, grupo ou setor ambiental. Embora o fenômeno frequentemente seja definido como um evento climático, causado pela insuficiência de chuvas por um longo período, provocando impactos naturais no regime hidrológico, também pode ser agravado pela ação humana.

Como exemplo das atividades antrópicas estão: crescimento populacional, modelo de desenvolvimento econômico predatório, infraestruturas de armazenamento de água insuficiente, desmatamento e a gestão inadequada das águas.  

Em 1948, Manoel Correia de Andrade analisou a seca no Nordeste brasileiro não apenas como um fenômeno natural, mas também como um fenômeno social, levando em conta as particularidades sociológicas geradas pela falta de chuvas no interior da região, ou seja, suas repercussões na organização social. Ele demonstrou como em diferentes épocas, a população nordestina desenvolveu formas específicas de resistir às pressões provocadas por esses eventos climáticos extremos.

De acordo com Paredes, Barbosa e Guevara (2015), esta pode ser definida em quatro tipos, que permitem entender suas reais implicações sociais:

1) Seca meteorológica: quando a precipitação recebida está muito abaixo da quantidade normal esperada;

2) Seca hidrológica: quando o fluxo do rio não pode atender aos diversos tipos de uso da água, sob um determinado sistema de gestão;

3) Seca agrícola: quando não há umidade suficiente no solo para o desenvolvimento da agricultura, em qualquer estágio de crescimento;

4) seca socioeconômica: quando a diminuição da disponibilidade de água pode ocasionar danos à população.

Também são utilizados três parâmetros para caracterizar as secas:

1) Intensidade: refere-se ao déficit de precipitação;

2) Duração: refere-se ao tempo no qual persiste a condição seca; e,

3) Extensão: relativa à área atingida pela escassez de chuvas.

O monitoramento dos diversos tipos de seca tem sido feito a partir da utilização de índices, baseados em dados de satélites, que os padronizam em escalas temporal e espacial.

Como exemplo, o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) divulga, semanalmente, um portfólio de mapas e produtos de satélites, que permitem identificar a chegada, a expansão e a intensidade das secas, em todo o Brasil. Neste post, detalhamos os principais índices utilizados para monitorar a seca.

>> Leia também: El Niño chegou e pode atingir intensidade sem precedentes

3) Por que a seca 2011-2017 foi a pior já registrada na história?

Mapas da seca 2011-2017, baseados em dados de satélite_QGIS

A seca 2011-2017 foi a mais longa e mais intensa do que se tem registro na história do Nordeste brasileiro. Além de alguns anos de ocorrência do El Niño, a maior “seca do século” também teve influência das condições de temperatura do Atlântico, quando o Atlântico Sul não foi favorável à formação de chuvas. Esse assunto foi amplamente aprofundado no Livro “Um século de secas”.

No Livro “Um século de secas”, foram utilizadas séries temporais de dados de satélite da precipitação no Semiárido brasileiro, para o período de 1901-2016, correspondentes ao interstício de março a maio (estação chuvosa) de cada ano. Os registros históricos mensais de precipitação foram obtidos do Laboratório Lapis. No gráfico abaixo, você pode observar a variabilidade interanual das chuvas, que permitiu avaliar as características de cada seca na região.

Mapeamento da história das secas, a partir de dados de satélite

Cronologia e intensidade das secas, a partir de dados de satélite. Fonte: Livro "Um século de secas".

Por meio do Índice de Precipitação Padronizado (SPI), analisaram-se a duração, a frequência e a gravidade das secas meteorológicas no Semiárido brasileiro. Os dados também permitem avaliar os anos de ocorrência de chuvas intensas na região, em relação à média histórica acumulada.

No gráfico, as “anomalias climáticas” são identificadas pelos picos e pelas baixas, indicando que o volume médio anual de chuvas é muito inferior ou superior em relação aos níveis normais registrados. O destaque é a excepcionalidade da recente seca que atingiu o Semiárido brasileiro (2011-2017), considerada a mais longa e mais intensa já registrada na história da região.

A “seca do século” foi amplamente monitorada pelo Laboratório Lapis, usando dados de satélite. Existem vários indicadores, baseados em dados de satélites, que permitem monitorar a seca.  

O monitoramento da seca é crucial para preservar a produtividade agrícola. É difícil captar o início de uma seca, sobretudo das secas "relâmpagos", aquelas que se iniciam e se tornam intensas, em apenas algumas semanas. Daí a importância do uso de dados de satélite, por permitir detectar a seca, exatamente quando ela começa, além da sua intensidade, duração e impactos, nas regiões atingidas.

O mapa da cobertura vegetal, elaborado a partir do cálculo do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI), é um dos produtos de satélite que apresenta uma grande vantagem na detecção das secas. Esse mapa de monitoramento é importante porque ajuda a minimizar impactos da seca “relâmpago” na agricultura, visto que, em poucas semanas, ela consegue fazer com que a região passe de uma condição normal a uma situação de seca severa.

É por isso que o uso de dados de satélite, para a geração de mapas de monitoramento, é fundamental para orientar as medidas adequadas e evitar maiores prejuízos aos produtores.

Um século de secas

Fonte: Livro "Um século de secas".

Na imagem acima, extraída do Livro “Um século de secas”, apresentam-se os principais marcos históricos, ocorridos durante o período de 1901-2016, incluindo as respectivas políticas adotadas como resposta dos governos para a adaptação da população a esses eventos climáticos extremos.

>> Leia também: Os 5 perigos da desertificação no Semiárido brasileiro

4) A seca acelera o processo histórico e antrópico da desertificação

Mapa da desertificação no Semiárido brasileiro. Fonte: Lapis.

Mapa da desertificação no Semiárido brasileiro. Fonte: Lapis.

Segundo um levantamento do Laboratório Lapis, cerca de 13% da região do Semiárido brasileiro já foram degradadas de forma muito grave, ou seja, tornaram-se desérticas. O mapa acima representa o resultado do estudo, destacando as áreas em processo de desertificação, de acordo com a categoria de degradação moderado, forte e muito forte. As duas últimas se referem a áreas já desertificadas, em razão da mudança de uso da terra. 

A seca e a desertificação são processos que se retroalimentam, principalmente em um processo de mudança climática. Uma pesquisa do Laboratório Lapis mostrou que, depois da seca 2011-2017, muitos dos pequenos municípios do Semiárido de Alagoas, não recuperaram sua cobertura vegetal, mesmo após a volta das chuvas, em razão do aumento da degradação das terras e da desertificação.

Os autores do Livro “Um século de secas”, definiram a desertificação como a “degradação da terra em áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultantes de atividades humanas e variações climáticas, que podem levar a condições desérticas.

A desertificação é um processo humano e histórico de transformação do uso e cobertura da terra, baseado sobretudo na degradação dos ecossistemas. Compreender os principais vetores da desertificação, com base em informações confiáveis sobre sua atual dimensão, é fundamental para conter o processo.

E esse processo de degradação da vegetação no Semiárido brasileiro expandiu-se de forma assustadora, nas últimas duas décadas. Um estudo do Laboratório Lapis mapeou a velocidade da degradação no Semiárido brasileiro.

O mapa acima mostra as áreas onde houve crescimento e perda da cobertura vegetal, no período 2001-2021. As áreas em roxo, concentradas no Semiárido brasileiro, além de áreas da Amazônia, Sudeste e Centro-Oeste brasileiro, destacam onde houve perda na cobertura vegetal no Brasil. O mapa foi elaborado a partir do cálculo do índice de biomassa, que estima o desenvolvimento da cobertura vegetal nas regiões.

O levantamento do Laboratório Lapis mostrou que mais da metade da vegetação do Nordeste brasileiro foi degradada, nas últimas duas décadas. O mapa apresenta como a produtividade da vegetação se apresentou, no período, com registro de degradação de 51% da sua biomassa vegetal.

No total, houve degradação intensa em 27% da cobertura vegetal da região (áreas em magenta, no mapa), enquanto 24% da sua área sofreu baixa perda de biomassa. Por outro lado, houve ganho de 23% de biomassa (áreas em verde, no mapa) e 26% da área não sofreu mudanças significativas, durante o período. A perda de floresta no Nordeste foi de 3,68%, equivalente a 0,52 Milhões de Hectares (Mha), no período 2018-2020. 

>> Leia também: Entendendo o processo de desertificação e suas principais causas no Brasil

5) Estocar água da chuva como estratégia para adaptação à seca

Além das cisternas de placas que fundamentaram o P1MC, o governo brasileiro implantou um conjunto de outras tecnologias sociais para armazenar água da chuva, destinada à produção de alimentos, que compõe o P1+2.

Desde a construção das cisternas de água para beber e da implantação de uma segunda tecnologia hídrica para produzir, muitas famílias afirmaram ter percebido mudanças significativas na qualidade e diversidade da sua alimentação.

Organizações sociais ligadas à Rede Asa Brasil registraram inúmeras experiências bem-sucedidas de famílias, nas áreas mais secas do Brasil, com a água disponível, passaram a produzir alimentos, a exemplo de frutas, legumes, verduras e plantas medicinais.

Esse resultado propiciou maior segurança alimentar desses agricultores, haja vista que conseguiram garantir alimentos saudáveis e diversificados para o autoconsumo e ainda para comercializar nas feiras, contribuindo com a renda familiar. Muitas famílias passaram a produzir alimentos livres de agrotóxicos.

Muitas mulheres rurais participaram de cursos de capacitação em gestão da água, para a produção de alimentos, promovidos por entidades não civis que atuam na região, aumentando sua capacidade organizativa.

As tecnologias sociais também contribuem para a convivência com o Semiárido, por intermédio das ações de capacitação e de intercâmbio promovidas pelas organizações sociais, que envolvem a participação de agricultores e agricultoras. Essas atividades têm permitido a adoção de boas práticas adaptadas à realidade local, a exemplo daquelas relacionadas à conservação dos solos, propiciando aumento e diversificação da produção.

Esses programas de acesso à água podem se refletir em impactos importantes sobre a agricultura familiar, como a redução da migração de pessoas entre regiões, estados e municípios. Esse fluxo era mais comum no passado, por falta de alternativas da população rural, nos períodos secos.

Pela análise das histórias de vida dos agricultores do Semiárido brasileiro, percebem-se os impactos significativos que as tecnologias sociais têm causado na agricultura familiar, especialmente no aumento da segurança hídrica e alimentar, bem como para a geração de renda. Todavia, a infraestrutura hídrica disponível ainda é insuficiente, para atender às demandas da população por água, sobretudo durante os períodos de secas severas, como a enfrentada no período 2011-2017. 

>> Leia também: Desertificação no Semiárido é manchete de capa do The New York Times

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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