Os 5 principais pontos do novo relatório sobre mudança climática


Reunião do IPCC


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Na próxima segunda-feira, dia 9 de agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) lança um novo relatório, sobre o atual estado da mudança climática, atualizando pesquisas realizadas desde 2013.

No total, mais de 14 mil artigos foram analisados, por 234 cientistas do clima, que participaram da produção do Relatório, que é o primeiro dos quatro que compõem o Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel.

O IPCC foi criado em 1988, como uma organização científico-política das Nações Unidas, focada na ciência do clima. O Painel reúne milhares de pesquisadores, de vários lugares do mundo, para fazer avaliações periódicas sobre o conhecimento da mudança climática.

Com o intuito de contribuir com a tomada de decisão de lideranças políticas, dos 195 países signatários, os cientistas avaliam as implicações e riscos socioeconômicos do processo, propondo estratégias de adaptação e mitigação.

O relatório a ser lançado na próxima semana apresenta o aprimoramento dos métodos utilizados pelos cientistas, nos últimos oito anos, para estimar diferentes aspectos do clima ou projetar o que pode acontecer no futuro. Cada edição do Relatório abrangente do IPCC é publicada em um intervalo de cerca de 7 anos.

O relatório faz uma avaliação atualizada do que será discutido na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), prevista para ocorrer em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro de 2021.

Na ocasião, líderes globais renovam seus compromissos, para conter as consequências da mudança climática. É o caso de fortes ondas de calor, secas, incêndios florestais, inundações e tempestades, eventos extremos que têm afetado diversas regiões do mundo, nas últimas semanas.

O novo relatório do IPCC contém orientações científicas, para apoiar formuladores de políticas, a planejarem medidas de longo prazo, em muitos setores, desde infraestrutura até energia e bem-estar social. 

Confira, a seguir, os 5 principais pontos para entender o novo relatório:

1. Qual a sensibilidade climática ao aumento do dióxido de carbono?


Cientistas afirmam que o aumento da poluição, provocado pela industrialização, urbanização, aumento populacional e demais formas de mudanças no uso e cobertura do solo, tem tornado o Planeta mais aquecido.

Dentre as causas humanas que aceleram o processo de mudança climática, estão: queima de combustíveis fósseis, para geração de energia, atividades industriais e transportes; mudança no uso do solo; agropecuária; descarte de resíduos sólidos (lixo) e desmatamento. Essas atividades emitem grande quantidade de CO2 e de gases formadores do efeito estufa, na atmosfera.

Os níveis atmosféricos de dióxido de carbono (CO2) estão mais altos, se comparados aos níveis pré-industriais, chegando a 419 partes por milhão (ppm), em maio de 2021. A temperatura global média aumenta, em cada momento histórico, de concentração de CO2 atmosférico. A dimensão desse aumento depende das medidas de mitigação a serem adotadas.

Os cientistas utilizam modelos climáticos, para entender o quanto o aquecimento ocorre, quando as concentrações de CO2 dobram, em relação aos níveis pré-industriais.

Para isso, utilizam o conceito de sensibilidade climática. Quanto mais sensível o clima, mais rapidamente as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas, para ficar abaixo de 2 oC, se comparada à época da Revolução Industrial (ou seja, de 1850 a 1900).

Modelos climáticos mais antigos estimaram que uma duplicação do CO2 atmosférico, conduziria a um aumento de temperatura de 2,1 oC a 4,7 oC. Todavia, as últimas projeções estimaram que o aquecimento pode oscilar de 1,8 oC a 5,6 oC. Isso significa que a sensibilidade do clima, à duplicação do dióxido de carbono, pode ser ainda mais grave do que o esperado.

Esse intervalo é influenciado por incertezas, em uma série de fatores climáticos, incluindo vapor d'água e cobertura de nuvens, e como eles irão aumentar ou diminuir os efeitos do aquecimento.

2. O que está acontecendo com as nuvens?

O aumento do aquecimento do Planeta altera a cobertura de nuvens, mas o contrário também acontece. A cobertura de nuvens também pode acelerar ou desacelerar o aquecimento, em diferentes situações. É por isso que as nuvens são um coringa, no estudo da mudança climática, em razão de criarem respostas para o aquecimento.

As nuvens refletem cerca de um quarto da luz solar, que chega da Terra. Portanto, se mais aquecimento levar a mais nuvens, espera-se mais luz do sol refletida, retardando o aquecimento. No entanto, as nuvens também isolam a Terra, prendendo o calor emitido, pela superfície. Portanto, o aumento da cobertura de nuvens (como durante a noite) pode amplificar o aquecimento.

Duas questões principais se destacam: 1) Muitos fatores, incluindo tipo de nuvem, altitude e estação do ano, determinam o efeito geral de uma nuvem no aquecimento; 2) As nuvens são difíceis de se modelar. Por isso, a forma como os modelos tratam as nuvens é a chave para o estudo da sensibilidade ao clima.

3. A mudança climática provocou extremos climáticos recentes?


Desde o último relatório do IPCC, muitos foram os avanços na capacidade de se avaliar o impacto do aquecimento global, sobre eventos climáticos extremos. 

O aquecimento global significa ondas de calor mais fortes, no verão, e noites tropicais mais frequentes (temperaturas acima de 20 C) estão ocorrendo em latitudes médias, como Canadá e Europa.

O ar mais quente pode reter mais água. Isso pode causar mais evaporação da terra, levando a secas e incêndios florestais. Além disso, uma atmosfera com mais água pode produzir mais precipitação e inundações.

Intensidade da seca na região Nordeste, no período 2011-2016.

Intensidade da seca na região Nordeste, no período 2011-2016.

Como exemplo, vale lembrar que, no período 2011-2017, o Semiárido brasileiro, uma das áreas mais afetadas pela mudança climática, enfrentou a chamada “seca do século”, com intensidade, duração e abrangência sem precedentes na sua história. A pior seca do século foi analisada no Livro “Um século de secas”.

Os pesquisadores projetaram, há algumas décadas, que essas mudanças no ciclo da água ocorreriam, mas agora está claro que elas já estão ocorrendo.

4. As projeções climáticas regionais melhoraram?

Os modelos climáticos, avaliados pelo IPCC, são modelos globais. Isso é essencial para capturar as conexões entre os trópicos e os polos, ou entre a terra e o oceano. No entanto, isso tem um custo: há dificuldade em simular contextos menores que 100 quilômetros de diâmetro, como pequenas tempestades ou ilhas.

As relações regionais podem ser complexas: por exemplo, tempestades extremas ajudam a quebrar o gelo marinho do Ártico, no verão. Enquanto, por outro lado, a redução da cobertura de gelo marinho também pode levar a tempestades mais fortes.

Desde o último relatório do IPCC, as técnicas para se obter essas informações, em grande escala, e refiná-las, mostraram como o clima regional e local mudou, podendo trazer impactos futuros. Outros experimentos visam questões regionais, como os impactos da perda de gelo do mar Ártico, nas tempestades.

5. Que mudanças marcaram o novo relatório?

O último relatório abrangente do IPCC foi publicado em 2013. Nesses oito anos, ocorreram várias mudanças importantes, tais como: a) melhorias na capacidade computacional e na modelagem climática; e, b) avanços na fronteira do conhecimento sobre o sistema climático da Terra, as mudanças climáticas regionais e a vulnerabilidade social.

Os relatórios costumam se tornar a base para discussões, durante importantes reuniões de cúpulas do clima global. Por exemplo, o AR5 apoiou o debate, na Conferência das Partes de Paris, em 2015, que resultou no Acordo de Paris.

Além dos AR’s, o IPCC também prepara relatórios especiais, tratando de assuntos específicos, como foi o caso dos temas: eventos extremos e desastres (2012), aquecimento global (2018), oceano e criosfera (2019) e degradação das terras (2019).

O relatório de avaliação a ser publicado, na próxima semana, é significativo, pois o ano de 2020 foi considerado um marco nas negociações internacionais, sobre mudanças climáticas. Foi o ano em que o Acordo de Paris de 2015 se tornou operacional.

Os incidentes de eventos extremos, em vários lugares do mundo, nas últimas semanas, que muitos especialistas atribuem à mudança climática, podem garantir que o relatório AR6 receba a atenção necessária, no evento em Glasgow.

Os relatórios do IPCC são produzidos exclusivamente pelos cientistas selecionados. Não há interferência político-partidária aparente, nas questões técnicas. No entanto, vale lembrar que os governos têm uma palavra muito mais forte, na hora de fechar o resumo mais curto, para os formuladores de políticas.

É comum haver relações de forças entre os países, uma vez que diplomatas e cientistas precisam concordar, por consenso, sobre os tópicos que integram o relatório. Normalmente, isso requer negociações intensas sobre os temas mais polêmicos do texto.

Vale lembrar que o relatório é usado por governos e indústrias, em todos os lugares do mundo, para entender as ameaças que estão por vir. Pela necessidade de as economias globais atenderem aos princípios de ESG (sigla em inglês que significa atender aos princípios ambientais, sociais e de governança), o relatório do IPCC está nos holofotes, por ter relação direta com interesses econômicos, de todo o mercado global. 

Cientistas alertam para mudanças rápidas na temperatura do Planeta

O Planeta está aquecendo mais rápido do que o esperado. A temperatura da linha de base refere-se ao aumento previsto, na elevação média da temperatura global.

No início do ano, o UK Met Office e a Organização Meteorológica Mundial (WMO) demonstraram, em uma pesquisa, que a temperatura global média anual, em pelo menos um dos próximos cinco anos, deve atingir temporariamente 1,5 oC, acima dos níveis pré-industriais. Há mais de 40% de chance de que isso aconteça. 

O gráfico acima mostra o aumento da temperatura média do Planeta. Já no Brasil, uma análise amostral apresenta os estados de Alagoas, Amazonas, São Paulo e Rio Grande do Sul, entre 1901-2020, alcançando extremos de temperatura em torno de 1,2 oC

O aquecimento global está ocorrendo mais rápido. Em 2030, dez anos antes do que havia sido estimado, poderá ser alcançado o limite de 1,5 oC, com riscos de desastres "sem precedentes" para a humanidade, já sacudida por ondas de calor e inundações.

Isso representaria o fracasso do Acordo de Paris, que pretendia limitar o aquecimento global abaixo de 2 oC ou, se possível, de 1,5 oC.

O Planeta já alcançou 1,1 oC, em relação a 1850, e começa a sofrer as consequências previstas: incêndios que arrasam os Estados Unidos, a Grécia e a Turquia, chuvas torrenciais que inundam a Alemanha ou China, termômetros alcançaram 50 ºC no Canadá.

Mesmo limitando o aquecimento a 1,5 oC, ondas de calor, inundações e outros eventos extremos aumentarão de forma "sem precedentes", quanto à sua magnitude, frequência, localização ou época do ano em que ocorrem.

Por enquanto, só metade dos governos revisaram suas metas iniciais de redução das emissões. Os compromissos adotados após o Acordo de Paris, de 2015, levariam a um aumento da temperatura do Planeta de 3 oC. Isso se fossem respeitados, porque no ritmo atual de poluição, o mundo aqueceria 4 oC ou 5 oC.

Entre essas projeções sombrias, o IPCC traz um resquício de esperança. No melhor cenário, o aquecimento poderia voltar ao limite de 1,5 oC, se as emissões forem reduzidas drasticamente e se for absorvido mais CO2 do que o emitido.

Desde 1960, aproximadamente, as florestas, os solos e os oceanos absorveram 56%, de todo o CO2 que a humanidade emitiu na atmosfera, apesar dessas emissões terem aumentado 50%. Sem a ajuda da natureza, a Terra seria um lugar muito mais quente e inóspito do que agora. O relatório do IPCC indica que algumas consequências já são "irreversíveis".

O degelo dos polos e geleiras, por exemplo, fará com que o nível dos oceanos continue a aumentar, durante "séculos ou milênios". O mar, que já subiu 20 centímetros, desde 1900, ainda poderá aumentar mais 0,5 metro, até 2100, mesmo que o aquecimento seja mantido a 2 oC.

Pela primeira vez, o IPCC não descarta a chegada de "pontos de inflexão", eventos irreversíveis pouco prováveis, mas de impacto dramático, como o degelo da calota de gelo antártica, ou até mesmo a morte da floresta amazônica.

*Post atualizado em: 09.08.2021, às 12h27.

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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