Entenda os 3 fenômenos simultâneos que causaram chuvas extremas na região Sul


Imagem do satélite Planet mostra áreas inundadas entre Porto Alegre e São Leopoldo (RS), após as chuvas extremas.


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A combinação incomum de 3 sistemas meteorológicos simultâneos levou ao recente desastre por inundações no Rio Grande do Sul, localizado na região Sul do Brasil. Desde a última segunda-feira, dia 29 de abril, temporais de forte intensidade e inundações devastaram a maioria dos municípios do estado.

Já são dezenas de mortos e desaparecidos, além de danos às infraestruturas, serviços públicos e residências. Nesta quinta-feira, dia 02 de maio, o Governo federal reconheceu a situação de calamidade pública no estado, status que permite enviar recursos para conter a emergência.

O vídeo com imagens do satélite do GOES-16 mostra a explosão atmosférica sobre o Paraguai, que desencadeou várias explosões e ondas de gravidade sobre o Rio Grande do Sul. Um choque de sistemas meteorológicos, atuando de forma combinada, levou à forte convecção e chuvas extremas no Rio Grande do Sul. No final deste post, mostramos imagens de satélite inéditas desse fenômeno incomum de nuvens onduladas, capturadas durante o evento extremo. 

No período de 29 de abril a 02 de maio, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) registrou volumes extremos de chuva no Rio Grande do Sul, que ficaram entre 200 milímetros (mm) e 300 mm em diversas áreas. Em menos de uma semana, alguns municípios, como Bento Gonçalves, superaram o extremo de 540 mm.

A seguir, vamos explicar a combinação atípica dos 3 sistemas meteorológicos que provocaram chuvas persistentes e volumosas no extremo sul do Brasil. As informações e imagens de monitoramento por satélite utilizadas neste post foram obtidas junto ao Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis). Confira também a previsão climática para o estado e outras atualizações. 

>> Leia também: Transição para o La Niña deve trazer inverno com altas temperaturas no Brasil

1) Redoma de calor no Sudeste aprisiona frentes frias no Sul

Massa de ar quente e seco_imagem do satélite Meteosat

Uma massa de ar quente e seco oriunda da África atinge a região Sudeste desde o dia 16 de abril, segundo informações de monitoramento do Laboratório Lapis.

No final de abril, o sistema se espalhou desde o Sudeste e Centro-Oeste até o Nordeste e a Amazônia brasileira. Esse bloqueio atmosférico, mostrado acima, na imagem do satélite Meteosat, do dia 03 de maio, formou uma onda de calor intenso nessas regiões.  

O bloqueio atmosférico deixou quente e seca toda a área central do Brasil, concentrando a chuva nos extremos.

“Essa redoma de calor no Sudeste formou uma barreira que aprisiona as frentes frias, vindas do extremo Sul. Com isso, elas não conseguiram se deslocar para o oceano Atlântico e ficaram estacionadas no Rio Grande do Sul", explica Humberto Barbosa, meteorologista e fundador do Laboratório Lapis.

O boqueio atmosférico persistiu por várias semanas consecutivas na área central do Brasil, deixando essas frentes frias "presas" no Rio Grande do Sul, causando esse volume extraordinário de chuva.

A massa de ar quente e seco ainda está muito intensa sobre as regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. De acordo com o Laboratório Lapis, há possibilidade de essa redoma de calor continuar dominante sobre essas regiões neste mês de maio, como ocorreu na segunda quinzena de abril. 

No dia 04 de maio, o Laboratório Lapis destacou a possibilidade de que essa massa de ar seco desça mais para o Sul do Brasil, dando um alento à situação do Rio Grande do Sul. São esperadas chuvas em torno da média para a região, no mês de maio, com volumes acima da média concentrados apenas na sua costa leste.

Você pode observar no mapa de previsão da temperatura próxima à superfície (baixa atmosfera), a presença da redoma de calor em toda a área central do Brasil

Modelo climático mostra massa de ar seco em maio_QGIS

Uma atualização feita pelo Laboratório Lapis neste domingo, dia 05 de maio, já mostra a presença de uma massa de ar seco na região Sul. A chegada desse bloqueio atmosférico ao Sul brasileiro enfraqueceu o jato de umidade vindo da Amazônia. Com isso, reduziu-se a possibilidade de chuvas extremas na região, principalmente no Paraná. Veja abaixo na imagem do satélite GOES-16. 

Massa de ar seco chega a região Sul

A presença da massa de ar seco na região Sul já desviou uma frente fria para o Atlântico. Caso não tivesse sido desviada para o oceano, havia risco de essa frente fria causar estragos com chuvas volumosas no Paraná. Observe na imagem do satélite Meteosat abaixo, canal vapor de água, neste dia 05 de maio. 

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2) Corredor de umidade vindo da Amazônia aumenta a força da chuva

Imagem do satélite GOES-16_QGIS

A redoma de calor na maior parte do Brasil teve mais consequências. Uma delas foi empurrar a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) para o oeste da Amazônia. Nessa época do ano, os ventos estão mais intensos e, por isso, jatos carregaram esse enorme corredor de umidade da Amazônia, descendo pela Cordilheira dos Andes até o extremo sul do Brasil.

“A persistente redoma de calor na área central do Brasil impediu que essa umidade que vem da Amazônia levasse chuvas ao Sudeste, como normalmente acontece. Com isso, esse corredor de umidade vindo da Amazônia aumentou a intensidade da chuva no extremo sul do País”, destaca Humberto.

A ZCIT é uma extensa banda de nuvens que se desloca próxima do Equador, transferindo calor e umidade que se convertem em precipitação. A posição e intensidade da ZCIT dependem da temperatura do oceano Atlântico tropical. Quando o Atlântico Sul está mais quente, o fenômeno favorece chuvas no Nordeste e na Amazônia brasileira.

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3) Mudança brusca de El Niño para La Niña

O Laboratório Lapis monitora diariamente essas massas de ar quente e seco sobre regiões brasileiras, a partir de imagens de satélites. Humberto ressalta que esses sistemas estão muita intensos este ano e atribui isso à rápida transição do El Niño para o La Niña, praticamente sem um intervalo de neutralidade no oceano Pacífico.

A temperatura do oceano Pacífico, na região do El Niño, diminuiu de forma brusca e inédita. Isso justifica também como essa atmosfera está respondendo ao resfriamento do Pacífico. É mais um fator que tem feito essas massas de ar quente e seco persistirem por tantos dias sobre regiões brasileiras, segurando as frentes frias e provocando eventos extremos de chuva.

“Normalmente, essas frentes frias se desviariam para os oceanos, só que a redoma de calor está segurando. Há uma previsão de que nos próximos dias perca força, mas ainda vai demorar. Enquanto isso, há a chegada de outras frentes frias. Ou seja, as chuvas no extremo sul não vão diminuir rapidamente. É um cenário sensível para a região, onde as chuvas devem continuar pelo menos até domingo”, pontua o meteorologista. 

>> Leia também: Brasil perdeu 55% das áreas de Agreste para o Semiárido, mostra estudo inédito

Imagens inéditas capturaram nuvens onduladas durante chuvas extremas

Inundações por chuvas extremas no rio grande do sul_imagem de satélite

Imagens de satélite divulgadas pelo Laboratório Lapis capturaram um fenômeno meteorológico incomum durante as chuvas extremas no Rio Grande do Sul. Na última sexta-feira, dia 03 de maio, imagens de alta resolução do satélite PlanetScope capturaram uma forte ondulação nas nuvens sobre o município de Pelotas (RS).

São as chamadas ondas de gravidade, do tipo vertical. Você sabe o que é esse fenômeno e o impacto que pode causar quando se forma na atmosfera?

As nuvens onduladas são similares ao que acontece quando você joga uma pedra em um lago calmo. Mas ao invés da água do lago, elas rolam pelo ar e pelo topo das nuvens. Assim como as ondas se formam no oceano ou em um lago, as ondas também se formam na atmosfera, quando o ar é perturbado.

ondas de gravidade durante chuvas extremas no rio grande do sul_imagem de satélite

São linhas de nuvens que se estenderam de oeste para leste, à medida que se aproximavam do centro de Pelotas. Essa ondulação nas nuvens é provocada por tempestades.

A combinação de fenômenos meteorológicos (jatos trazendo umidade da Amazônia, frentes frias estacionadas e superfície mais úmida) perturbou a atmosfera. Com isso, provocaram as nuvens onduladas. Essa situação meteorológica intensificou ainda mais as chuvas no estado, como um efeito dominó.

Quando uma massa de ar quente/seco encontra o ar úmido, ela se eleva e desliza sobre a massa de ar frio (imagem de satélite). O movimento de subida e descida do ar resulta nesse padrão de onda gravitacional.

Imagens de satélite impressionantes mostram antes e depois do Aeroporto de Porto Alegre 

Imagens do satélite Planet do Aeroporto_QGIS

O Laboratório Lapis divulgou imagens de satélite do Aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre (RS), antes e depois da cidade ter sido atingida pela pior tempestade dos últimos 83 anos. Na segunda-feira, dia 06 de maio, foi informado que o Aeroporto ficará fechado pelo menos até o fim deste mês, por conta das inundações. 

As imagens são impactantes e mostram como estava o local antes do desastre, no dia 20 de abril, e depois da chuva extrema, no dia 06 de maio, quando o satélite registrou imagens pela primeira vez da região. Observe na imagem do pós-desastre, a grande inundação na cidade, próximo ao Aeroporto.

Uma atualização feita pelo Laboratório Lapis no dia 22 de maio, permite comparar o cenário de lama e destruição do Aeroporto de Porto Alegre após as águas das enchentes baixarem. Veja abaixo na imagem do satélite PlanetScope: 

Aeroporto em 22 de maio_imagem do satélite Planet

As imagens foram processadas pelo Laboratório Lapis, usando dados de nanossatélites do sistema PlanetScope (sensor Dove), com o tamanho de cada pixel de 3 metros. Nessas imagens, objetos menores que 9 metros quadrados (3m x 3m) não podem ser identificados. O sistema Planet é formado por mais de 200 nanossatélites que cobrem todo o Planeta. Qualquer lugar do Brasil pode ser monitorado com essas imagens de alta resolução.

>> Leia também: Por que centenas de minissatélites do Planet fotografam a Terra diariamente?

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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