Uma tecnologia revolucionária para mapeamento da desertificação


Imagem de alta resolução mostra núcleo de desertificação em Cabrobó (PE). Fonte: PlanetScope e Lapis.


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O Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca foi celebrado na última sexta-feira, 17 de junho. Neste post, iremos explicar quais são os 5 pontos que você precisa saber para entender os atuais desafios para o mapeamento das áreas degradadas e o combate à desertificação, no Semiárido brasileiro.

Também iremos abordar os recentes avanços no monitoramento por satélite da desertificação, usando uma tecnologia revolucionária de mapeamento. A tecnologia permite extrair informações cruciais ao planejamento de ações de combate à desertificação, a partir do uso do sensoriamento remoto, por meio de um Sistema de Informação Geográfica (SIG).

A seguir, confira os 5 pontos que você precisa saber para entender a desertificação no Brasil.

1) Dificuldades para o combate à desertificação na esfera local/municipal

Método para analisar capacidade institucional dos municípios.

Método para analisar capacidade dos municípios para gestão ambiental. Fonte: Livro "Um século de secas".

O Semiárido brasileiro, atualmente delimitado com 1,3 milhão de Km2 de extensão e população de mais de 31 milhões de habitantes, é uma das maiores áreas do mundo susceptível ao processo de desertificação.

Cerca de 93% dos municípios do Semiárido brasileiro são considerados de pequeno porte, ou seja, contam com população inferior a 50 mil habitantes.

Em 2018, um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre o Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic), mostrou que cerca de 60% dos municípios afetados pela seca não contava com um instrumento orientado à prevenção dos seus impactos. Apenas 15% tinham um plano específico de contingência e/ou de prevenção aos efeitos da seca.

No Livro “Um século de secas”, foi desenvolvida uma metodologia para analisar como esses pequenos municípios, marcados por uma confluência de vulnerabilidades, podem lidar com problemas ambientais complexos, a exemplo de secas extremas, desertificação e mudança climática. Dentre as vulnerabilidades enfrentadas pela densa população do Semiárido brasileiro, estão:

- Vulnerabilidade climática: ocorre sobretudo pela frequência de secas intensas e pelos atuais impactos do processo de mudança climática;

- Vulnerabilidade à desertificação: um processo crescente e irreversível, intensificado pelas intensas secas e pelo manejo inadequado dos recursos naturais;

- Vulnerabilidade ecológica: os riscos que a Caatinga enfrenta de atingir um ponto de não retorno, ou seja, a degradação da vegetação e as secas extremas podem causar danos fisiológicos a ponto de a vegetação perder sua capacidade de se autorrecuperar;

- Vulnerabilidade institucional: falta de capacidade institucional dos pequenos municípios para enfrentar problemas ambientais complexos;

- Vulnerabilidade socioeconômica: como a agricultura familiar de baixa escala é desmantelada, durante as secas, a população perde sua principal fonte de subsistência;

- Vulnerabilidade do conhecimento: a limitação no acesso a informações técnico-científicas qualificadas impede uma melhor gestão dos recursos naturais e a obtenção de renda, a partir do aproveitamento sustentável da bioeconomia da Caatinga.

As áreas semiáridas, subúmidas secas e do entorno são consideradas suscetíveis à desertificação. No Brasil, abrangem toda a região semiárida, além de territórios do entorno, em Minas Gerais e no Maranhão. Essas áreas são suscetíveis a se tornar um deserto, caso no processo histórico de uso das terras, o nível de degradação se intensifique.

2) Secas expandem áreas desérticas no Semiárido brasileiro

Monitoramento da seca 2011-2017, a partir de satélites. Fonte: Livro

Monitoramento da seca 2011-2017, a partir de satélites. Fonte: Livro "Um século de secas".

Um dos motivos para o aumento do processo de degradação das terras, na última década, foi a chamada “seca do século”, uma grande seca ocorrida na região, com a dramática duração de sete anos. No Livro “Um século de secas”, buscou-se na história de 100 anos de secas, incluindo a mais recente, de 2011-2017, evidências para compreendermos o processo de desertificação na região.

Particularmente no ano de 2012, a Caatinga passou por um momento muito crítico, em seu processo de regeneração, em função não só do uso da terra – desmatamento, queimadas, superpastoreio etc. –, mas também da severidade climática natural.

A seca e a desertificação são processos que se retroalimentam, principalmente no atual contexto de mudança climática.

Uma dissertação defendida por um pesquisador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), mostrou que, depois da seca 2011-2017, algumas áreas de pequenos municípios do Semiárido de Alagoas não recuperaram sua cobertura vegetal.

Isso ocorreu mesmo após a volta das chuvas, em razão do aumento da degradação das terras e da desertificação.

Isso ocorre porque, durante as secas, há o uso intensivo dos recursos naturais, que leva à perda na cobertura vegetal, ao aumento da degradação das terras e ao processo de desertificação.

Vale lembrar que é o crescente processo de degradação das terras que provoca a desertificação. A desertificação ocorre quando as terras já estão degradadas de forma grave ou muito grave, exaurindo a capacidade de recuperação dos ecossistemas, principalmente dos solos e da vegetação.

Em 1994, a Organização das Nações Unidas definiu que a degradação se refere à perda da produtividade biológica ou econômica da terra, resultando na deterioração das propriedades físicas, biológicas e/ou econômicas do solo, bem como na perda de longo prazo da vegetação natural.

Já a desertificação é a degradação das terras nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultante de um conjunto de fatores naturais e antrópicos, que incluem as variações climáticas e atividades humanas. A definição é do Relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado em 2019, que teve como tema a mudança do clima, degradação das terras e desertificação.

3) Divergências quanto à delimitação dos núcleos de desertificação do Semiárido

A clássica obra do engenheiro agrônomo João Vasconcelos Sobrinho formulou, de forma pioneira, ainda nos anos 1970, a categoria “núcleos de desertificação”, identificando a existência de seis áreas desertificadas, no então chamado “Polígono das Secas”. São eles: Gilbués (PI), Irauçuba (CE), Seridó (RN/PB), Cabrobó (PE), Cariris Velhos (PB) e Sertão do São Francisco (BA).

Como assinala o Livro “Um século de secas”, o “Polígono das Secas” era o nome utilizado para definir a região semiárida do Brasil até 1989, quando a legislação instituiu a atual região do “Semiárido brasileiro”.

Vale ressaltar que essas áreas degradadas ou em processo de desertificação estão em constante expansão, de acordo com a forma de uso e ocupação das terras, vigente em cada local e em cada época.

Uma questão importante a assinalar é sobre os critérios adotados pelos estados para definir seus próprios núcleos de desertificação. Desde 2005, quando começaram a surgir as políticas estaduais de combate à desertificação, cada estado passou a adotar seus próprios critérios, para definir os núcleos de desertificação presentes em seu território.

No Livro “Um século de secas”, foi mapeada cada uma das formas de classificação dos núcleos de desertificação, existentes em cada estado do Semiárido brasileiro, com a lista dos municípios incluídos em cada núcleo.

Do ponto de vista técnico-científico, essa é uma das limitações impostas hoje à formulação de políticas. É por isso que somente com a extração de informações de satélites, por meio da tecnologia de Sensoriamento Remoto/SIG, é possível mapear a desertificação e as áreas degradadas, para o Semiárido brasileiro, utilizando uma metodologia padronizada, que abranja toda a escala regional.

Ainda neste post, iremos mostrar uma dessas iniciativas de monitoramento por satélite da desertificação.

4) Risco de ponto de não retorno da vegetação da Caatinga

Imagem de satélite da cobertura vegetal do novo Semiárido brasileiro.

Imagem de satélite da cobertura vegetal.

Pesquisas científicas têm chamado atenção sobre o ponto de não retorno da vegetação, em razão de danos fisiológicos deixados por secas repetidas, fazendo com que as plantas percam sua capacidade de se autorrecuperar.

Embora a caatinga seja uma vegetação xerófila, altamente adaptada às condições de semiaridez, as plantas nativas são vulneráveis ao processo de mudança do clima. Com o aumento na frequência e intensidade das secas, em razão da mudança climática, a capacidade de resposta da vegetação, para se recuperar de eventos extremos, como grandes secas, será fundamental.

Sob condições historicamente normais, a Caatinga frequentemente experimenta secas com duração de 7 a 11 meses. Mas em períodos extremos, essas secas se prolongam por vários anos. Cientistas alertam que essa variabilidade climática extrema faz com que muitas espécies de plantas da caatinga já operem em seus limites fisiológicos.

Com o aumento dos eventos climáticos extremos, como secas severas e altas temperaturas, a vegetação nativa da Caatinga pode ter redução na sua capacidade de sobreviver. Uma deterioração relativamente pequena na disponibilidade de água pode fazer com que o ecossistema alcance um ponto crítico de irreversibilidade, conhecido como “tipping-point", causando uma flora e fauna empobrecida.

Embora a caatinga seja resistente a secas severas, seus ecossistemas têm sido fortemente degradados pela agropecuária, desmatamento, uso intensivo do solo e salinização. Esses fatores de degradação tornam a vegetação extremamente vulnerável aos eventos climáticos extremos.

Os impactos de secas isoladas têm sido amplamente estudados em todo o mundo, mas pouco ainda se conhece sobre o quanto os ecossistemas conseguem se adaptar, ou se tornam mais vulneráveis, quando ocorrem repetidos eventos de seca.

Ainda existem dificuldades para se prever como, após uma seca severa, determinado ecossistema, como áreas de caatinga, se torna mais ou menos sensível ao próximo evento climático extremo. Isso depende da compreensão da capacidade de recuperação das plantas e dos ecossistemas, depois de submetidos a sucessivos processos fisiológicos de estresse hídrico.

Pesquisadores analisaram situações nas quais a redução no crescimento das árvores foi maior em uma seca subsequente, de intensidade severa, mesmo que a seca anterior tenha sido moderada. A pesquisa constatou que, em geral, a vulnerabilidade das árvores aumenta, em uma situação de múltiplas secas. Leia mais detalhes sobre essa pesquisa neste post.

As secas múltiplas impactam na resiliência de ecossistemas florestais. Os impactos das secas subsequentes geralmente são mais deletérios do que as secas iniciais, no crescimento e na mortalidade de algumas árvores. Porém, esse efeito difere enormemente por tipo de árvore e ecossistema.

A seca excepcional no Semiárido brasileiro, que ocorreu no período 2012-2017, provavelmente deixou danos fisiológicos significativos na vegetação, influenciando na capacidade de recuperação dos ecossistemas, mesmo depois da chegada das chuvas. Esses impactos influenciam no processo de desertificação.

5) Desertificação já compromete 25% das terras do Semiárido brasileiro

Áreas em processo de desertificação, a partir de satélites.

Áreas degradadas, a partir de satélites.

Em 2016, uma iniciativa pioneira do Laboratório Lapis lançou o primeiro mapa das áreas degradadas no Semiárido brasileiro. Neste estudo inédito, que cobriu toda a região, as áreas degradadas e em processo de desertificação foram identificadas a partir de dados de satélites, com metodologia padronizada, o que facilita para o planejamento de políticas, em escala regional.

Como resultado, concluiu-se que cerca de 25% do território do Nordeste brasileiro apresenta algum nível de degradação. As áreas foram classificadas por estado, nas categorias de degradação moderada, grave ou muito grave. Desse total, estima-se que 13% das terras já se transformaram em deserto.

A desertificação é um processo histórico, que depende de um conjunto de influências naturais e, principalmente, da ação humana. O levantamento feito pelo Lapis mostrou que, na última década, a forma de uso e ocupação da terra, bem como a severidade das secas, aceleraram o processo de degradação das terras na região. Áreas em torno dos chamados núcleos de desertificação, tiveram seu nível de degradação ampliado.

A desertificação é uma resposta a vários outros processos que ocorrem no uso da terra. Hoje, o processo de degradação está muito ligado, principalmente, ao desmatamento da Caatinga, para atividades agropecuárias e para a produção de biomassa, visando gerar energia a setores produtivos.

As queimadas, como concentram-se atualmente em Matopiba, nova fronteira agrícola do Brasil, para gerar áreas agricultáveis, tornam as áreas degradadas, em um curto espaço de tempo.

A partir desse avanço recente no mapeamento dos níveis de degradação das terras, nas áreas suscetíveis à desertificação no Brasil, foi possível estabelecer as áreas prioritárias para conservação da avifauna da Caatinga. O mapeamento definiu as espécies de aves em perigo ou ameaçadas de extinção, nas áreas desertificadas.

Áreas prioritárias para conservação das aves da Caatinga.

Áreas prioritárias para conservação das aves. Fonte: ICMBio. 

Trata-se do Plano de Ação Nacional (PAN) para proteção das aves da Caatinga, realizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). No estudo, foram mapeadas 39 espécies de aves consideradas vulneráveis ou ameaçadas de extinção, na Caatinga. Desse total, 34 constam na Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção.

O mapeamento das áreas prioritárias para conservação das aves da Caatinga foi feito por estado e em nível regional. Foram selecionadas 51 áreas estratégicas para implementação do PAN Aves da Caatinga. Para conferir detalhes sobre o estudo, acesse este link

O estudo do ICMBio adotou o mapa da desertificação no Brasil, elaborado pelo Laboratório Lapis, a partir de dados de satélites, sendo um importante instrumento, a partir de agora, para subsidiar políticas para preservação da avifauna no Semiárido brasileiro.

O estudo da desertificação, realizado pelo Lapis, foi feito a partir da criação de uma nova metodologia, para classificação dos níveis de degradação, usando imagens do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI). Recentemente, uma nova tecnologia de sensoriamento remoto veio fortalecer esse esforço científico de mapeamento da desertificação.

Monitoramento da desertificação a partir de imagens de alta resolução

Imagem da constelação de satélites PlanetScope mostra áreas desertificadas em Cabrobó (PE).

Imagem da constelação de satélites PlanetScope mostra áreas desertificadas em Cabrobó (PE).

Desde 2020, o Brasil passou a contar com o mais sofisticado sistema de monitoramento por satélite: as imagens da constelação PlanetScope, formada por mais de 135 nanossatélites.

É uma tecnologia revolucionária para mapeamento. Pelo PlanetScope, são geradas imagens de satélites de alta resolução espacial, com capacidade de cobertura diária, de todo o território nacional.

A imagem acima exemplifica o mapeamento da desertificação, usando essa tecnologia, no município de Cabrobó (PE). São áreas agrícolas próximas do núcleo de desertificação daquele município.

As imagens do PlanetScope é uma tecnologia de ponta, usada hoje pela Polícia Federal e demais instituições de segurança pública, por meio do Programa Brasil M.A.I.S (Meio Ambiente Integrado e Seguro).

A ferramenta é usada para apoio à perícia, investigação e operações policiais, para o combate ao crime organizado. São identificados crimes de tráfico de entorpecentes e crimes ambientais, como fraudes em manejo florestal, corte seletivo de madeira e detecção, ainda no início, de queimadas, desmatamento, mineração irregular, dentre outros.

No mercado, essas imagens são usadas para monitoramento agrícola, florestal, ambiental, entre outras áreas de aplicações.

O Laboratório Lapis é a instituição científica do Brasil que desenvolve metodologias para uso das imagens da Constelação PlanetScope. Inclusive, no Livro gratuito "Como dominar o QGIS: o guia definitivo para mapeamento", foram disponibilizados dados do PlanetScope e uma prática para você realizar no QGIS, gerando mapas, processando e analisando essas imagens.

Para baixar o Livro gratuitamente, clique aqui.

Conclusão

A degradação das terras e o aumento da desertificação na região semiárida estão entre os mais graves problemas ambientais considerados mais graves no Brasil. A perda da produtividade das terras, os impactos socioeconômicos e a irreversibilidade da desertificação são fatores que deveriam receber atenção pelas políticas públicas.

Diante disso, há dois fatores essenciais para uma melhor compreensão científica do processo de desertificação:

1) ampliar os territórios da Caatinga protegidos em unidades de conservação, que hoje é de apenas cerca de 1%, como explicamos neste post. Essa proteção contribui para garantir a manutenção da diversidade das espécies da Caatinga. 

2) Considerar os atuais “núcleos de desertificação” como verdadeiros laboratórios para pesquisa científica, para o entendimento do que pode acontecer em futuro próximo, nas áreas suscetíveis à desertificação (ASD's), caso não haja ações para conter o processo de degradação das terras.

A desertificação tem uma gravidade extrema, pelo risco de transformação da região semiárida brasileira em um deserto. Por isso, é fundamental a retomada de políticas, em âmbito local, estadual e federal, para promover o manejo adequado dos recursos naturais e o uso sustentável das terras. 

Políticas de adaptação à seca, incluídas em um plano de contingência aos impactos do fenômeno, também é uma das formas eficazes para desacelerar a desertificação no Brasil.

Mais informações

Para quem quer se aprofundar no domínio do que há de mais moderno hoje, na área de sensoriamento remoto e geoprocessamento, o Lapis desenvolveu um método específico, para gerar mapas, processar e analisar esse tipo de imagem de satélite, baseada em alta tecnologia de mapeamento, dominando definitivamente o QGIS, desde o básico até o avançado. Clique aqui, assista à apresentação e conheça o método "Mapa da Mina®️".

Última atualização para acréscimo em: 20.06.2022, às 18h. 

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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